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O mar inteiro no nosso quintal: SV Troublermaker

Dois adultos, duas crianças e dois pets percorrem o mar mediterrâneo por seis meses  no ano. Nos outros seis, matam a saudade de morar em terra firme.

Pai, mãe, dois filhos, um gato e um cachorro. Ou: Tiago, Mariana, Giovanni, Manuela, Colorida e Snow. Essa é a tripulação do “Troublemaker”, o veleiro da família Bertalot que percorre mediterrâneo durante os “meses quentes” do ano. A bordo desde 2021, a família sempre teve a vontade de morar em uma casa que não ficasse fixa em apenas um lugar. O veleiro, portanto, sempre foi a melhor opção. Mas, a vida na metrópole, a rotina de trabalho e a transferência de Tiago para o Qatar os fizeram adiar os planos. Finalmente, depois de sete anos da compra do primeiro veleiro, em Guarapiranga, a família embarcou numa aventura de “21 dias teste”. A adaptação foi ótima e os seis embarcaram na aventura de morar a bordo e conhecer lugares nem um pouco convencionais. 

No Brasil, o veleiro era apenas a casa de praia da família. Férias e feriados tinham um destino certo e davam um gostinho do que seria morar a bordo. No Qatar, a família teve a oportunidade de alugar um barco e ir até a Grécia. Foi o ponto de decisão do casal, que finalmente realizou o sonho de comprar um veleiro para chamar de casa. “A questão é que a gente não se vê em um lugar só por muito tempo”, afirma Mariana. “Então, quando a gente pensa em comprar uma casa, fica esquisito. E a gente queria uma casa na praia, então por que não um veleiro?”, completa. 

O que fazer com essa tal liberdade? 

Literalmente embarcados na aventura de morar a bordo, Mariana e Tiago tiveram que reaprender a lidar com o próprio tempo. Ele, piloto de avião, sempre seguiu as escalas da empresa e viveu uma rotina maluca. Ela, fonoaudióloga, seguia o calendário de segunda a sexta. “Para mim, o que mais me chocou foi desapegar do calendário de segunda a sexta e sábado e domingo. Quem disse que a gente precisa descansar dois dias e trabalhar cinco? De onde veio essa matemática?”, brinca Mariana. “Nós fomos programados para ter uma rotina, para ter horário para as coisas. De repente, você está em algo que mesmo que você faça a melhor programação, você está à mercê de muitas coisas”, completa. 

Para Tiago, mesmo que em níveis diferentes da esposa, a rotina também foi uma questão. “Eu sou piloto de avião, então nunca tive ‘o trabalho de segunda a sexta’”, afirma. “Era escala, final de semana, viajava vários dias. E, de repente, virei dono do meu próprio tempo. Isso é muito difícil. A sensação é: ‘o que fazer com essa tal liberdade?’. É o maior desafio”, completa. Da mesma forma, ser dona do próprio tempo também gerou estranheza na fonoaudióloga: “Para mim, isso foi bem complicado e ainda estou em processo de adaptação. É esquisito você conseguir respeitar o seu próprio ritmo de necessidade de descanso. Muitas vezes, a gente nem sabe identificar isso. É mais fácil ‘cairmos duras’ de cansaço do que respeitar o corpo”. 

À mercê do sol, da chuva e do vento – fora as questões burocráticas e do próprio barco – , o casal não esconde que a nova realidade, ainda que instável, é melhor do que eles esperavam. Mesmo assim, o novo dia a dia é um desafio diário de rever conceitos que sempre foram pré-estabelecidos: “A maior dificuldade é conseguir entender que tudo bem se, naquele dia, não dá para acontecer determinada coisa. Seja porque está chovendo muito ou porque o dia tá lindo e você tem que aproveitar aquele momento”, comenta Mariana. 

Manuela e Giovanni

A ideia de morar a bordo foi amadurecendo em família. Quando a gente decidiu mudar, eles também toparam a aventura. Antes de decidirmos, efetivamente, a gente foi para o barco com a intenção de experimentar um tempo maior, como se já estivéssemos vivendo no barco. Aconteceram muitas coisas e as crianças estavam de acordo com o teste”, conta Mariana. “Foram 21 dias na pior época que poderia ser. Era outubro, chuva, muito vento e o barco tinha até goteira. Tava frio e nossa geladeira queimou. Depois desses dias, quando a gente voltou para onde as crianças tinham como referência de casa, elas viraram para a gente e falaram que gostaram mais da ideia do barco”, completa Tiago. 

Mesmo adaptados com a rotina, o casal não esconde que algumas coisas da vida em terra fazem falta na vida das duas crianças. Segundo eles, as diferentes personalidades dos filhos fazem com que cada um sinta mais falta de uma coisa. Ainda assim, segundo a mãe, a falta dos amigos é consenso entre os pequenos: “as nossas crianças não têm acesso às redes sociais de forma desenfreada, não tem nada que facilite tanto a comunicação dele com os amigos deles. O que eles sentem falta é o contato, é encontrar os mesmos amigos, construir uma relação mais profunda”. Para driblar a falta, os pais tentam sempre encontrar famílias e, sempre que podem, mudam a rota para que Giovanni, 11, e Manuela, 9, tenham uma companhia extra. “Mas, mesmo encontrando outras crianças, essa relação é rápida”, afirma Mariana. “A amizade dura aquela brincadeira. Pode ser que a gente encontre depois, mas pode ser que não”, completa. 

Mesmo com a falta dos amigos, os pais afirmam que Giovanni e Manuela gostam da vida a bordo. De acordo com Tiago, o sentimento é ambíguo: “A gente não veleja o ano inteiro. A gente veleja de abril até setembro mais ou menos. Depois, a gente guarda o barco porque venta muito e é muito frio. Então, eles sabem que tem seis meses do ano que a gente não está a bordo. Então, é um sentimento um pouco confuso: eles sentem falta da casa, mas também da vida a bordo”.

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