Thais, Hugo e Tobias moram a bordo de um veleiro de 16m² desde 2019. Da cidade, sentem falta de pouca coisa: geléia de pimenta, verduras frescas e um banho com água corrente.
Uma viagem com os amigos despertou em Hugo a vontade de viver a bordo. Thais, sua esposa, não gostou da ideia: era radical demais. Em consenso, decidiram que a primeira mudança seria para uma vida mais próxima à natureza e longe da loucura do Rio de Janeiro. Ele é carioca, arquiteto e amante dos veleiros. Ela, nascida em Fortaleza, é produtora artística e amante da cidade grande. O meio termo para unir a paixão de Hugo e o trabalho de Thais foi Paraty, cidade histórica no estado do Rio de Janeiro e polo cultural da região. Em 2016, a ideia que por alguns anos não passou de um esboço na vida do casal, saiu do papel. O nascimento de Tobias, primeiro filho do casal, foi o ponto de decisão: criar uma criança em meio ao caos de uma metrópole nunca foi opção Thais e Hugo, que trocaram o apartamento em Copacabana por uma casa no meio da montanha, a poucos minutos da praia e com um rio no quintal.
“Foi uma mudança de perspectiva de vida que começou em 2016 sem muitos planos”, explica Hugo. “Chega uma hora que não adianta muito você ter tantos planos, mas sim uma certeza momentânea que eu não sei ao certo de onde vem. Você tem que dar um passo. E são pequenos planos que, quando você olha para trás, eles passam a ter sentido”, completa. Durante três anos, a família guardou o desejo de viver a bordo. Em 2018, a oportunidade de comprar um veleiro e transformá-lo numa casa foi concretizada. Entre reformas, mudanças e muito desapego, a família – literalmente – embarcou na aventura em 2019. “A gente tinha um desejo de estar perto da natureza, do universo dos velejadores, mas não tinha como ter um barco naquele momento”, explica Thais. “Quando essa oportunidade se concretizou, o Hugo falou: ‘vamos comprar o barco? E se a gente não se acostumar?’. E eu falei que a gente venderia. Então fomos”, completa.
O Tobias
Morar a bordo com uma criança parece surreal para muita gente. Para Thais e Hugo, essa é uma escolha diária em prol, também, da autonomia de Tobias. “Existe uma autonomia entre as crianças que as pessoas que não estão acostumadas estranham”, comenta Thais. “Por exemplo: a gente acorda de manhã e vem o Caique, do barco deles, no stand up, sozinho e sem bóia, buscar o Tobias para brincar. Depois, eles vão para o barco da Ona. São duas crianças de cinco e uma de quatro anos, sozinhas, indo de um barco para outro. Quem vê isso de fora fica louco. Mas, para nós, as crianças desenvolvem uma autonomia e uma aprendizagem que é muito diferente de quem mora na cidade grande”, completa.
Muito mais do que autonomia, a vida a bordo requer muita responsabilidade da criança. “Quando você tem contato constante com a natureza, como é no barco, dá um passo para fora de casa e está num meio que não é o nosso natural. O ideal é que você saiba nadar e isso é uma questão que automaticamente gera segurança. Dentro de um barco, a segurança é prioridade”, relata o arquiteto. “Não é um gramado que você pula da varanda e está na grama. Até esse processo se tornar parte do dia a dia, sem ter que pensar muito nele, ele tem que ser passado muitas vezes. É um cuidado incrível”.
Seja na autonomia ou na responsabilidade, uma criança criada a bordo leva uma vida muito diferente de uma criança que vive em terra. Segundo Thais, a questão da água, por exemplo, é crucial na criação de Tobias. “A criança capta a necessidade de economizar água. A consciência do consumo vem pela real necessidade e pela prática diária”, afirma a produtora. Em relação à autonomia, Hugo ressalta: “no barco, você gera uma conscientização e uma responsabilidade porque o todo depende de cada indivíduo. Não dá para uma pessoa tomar conta de todo mundo, é impossível. Em algum momento, você precisa tomar conta de si. De acordo com sua idade, lógico”
A cidade
O delivery de comida japonesa às 4h da manhã, a farmácia 24h ou a balada até altas horas da manhã. Essas são só algumas das coisas que serão lembradas se você perguntar para alguém o que mais sentiria falta da vida em uma grande metrópole. Para Thais e Hugo, isso não faz falta nenhuma. “Às vezes, tenho saudades, por exemplo, de comer uma geléia de pimenta. É impossível você descer o barco e ir comprar, do nada. Na cidade, não. Você desce, compra e pronto”, brinca. “Banco também. No Rio, eu encontrava todos os bancos, farmácias e supermercados em uma quadra. Aqui não é assim”.
Para Hugo, o conforto também é uma questão. “O barco não foi construído para morar, então ele não tem o conforto de uma casa. Mas a escolha foi sua e isso está intrínseco à ela, então você tem arcar com as consequências dela”, conta. A comida, por sua vez, às vezes também é uma questão para o arquiteto: “O que sinto falta é a possibilidade de ter verduras frescas todos os dias. Quando você está ancorado, você tem que comer tudo o que você tem porque as coisas não duram tanto, não existe tanto espaço”. Mesmo assim, no fim, o saldo de morar a bordo é sempre positivo: “o que acontece é que a vida a bordo vai te mostrando que as coisas mais simples são o que realmente têm valor. Você tem que, obrigatoriamente, se desapegar de muitas coisas. Mas, na essência, coisas tão simples não têm preço e, numa cidade, é muito fácil você esquecer do valor da simplicidade”.
O conforto também é uma questão para Thais, que brinca com a situação: “ele foi super filosófico, mas eu sinto falta de outra coisa: um banho demorado. Aqui, o banho é para ficar limpo, não é aquele banho demorado, relaxante, com água escorrendo. Quando a gente tem oportunidade, a gente aproveita”. Já Tobias é mais simples: sente falta do parquinho e de brincar com a avó. O chuveiro da praia é suficiente para ele, que ressalta como é legal poder beber água do chuveiro – já que vem direto da mina. Em relação aos próximos planos, a família Biruta se difere: Hugo não quer ter planos, Thais pretende se movimentar mais e Tobias quer comprar uma bota.